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sábado, 13 de setembro de 2008

"Santana, a edénica"


«Mais do que terra habitada, a povoação ridente, de traça arbitrária, rebelde às convenções urbanas, dir-se-ia um grande parque italiano, onde as áleas fossem ruas ziguezagueando entre sebes floridas. As paredes de buxo, sobre as quais gostavam de poisar, nas horas tranquilas, os melros e os papinhos, sucediam-se as das hortênsias que são as grandes decoradoras dos românticos caminhos de Santana. Exuberantes, gordas, seu quê de matronas, estendiam-se em valados, longos a perder de vista. E, aqui e ali, brilhavam ainda os «camarões», flores pequenas mas sagazes, umas atrevidas que furavam por entre os ramos dos vizinhos para fazer contrastar o seu vermelho vivo petulante, com o verde escuro do buxo e o azul desbotado das hidrângeas.

As casas quase se ocultavam no meio dessas pompas naturais. E constituíam também, entre elas, um forte contraste. As de pedra, todas vistosas, caiadinhas de branco, persianas verdes, mansões dos habitantes mais afortunados, alternavam com outras, cobertas de colmo, que sugeriam cabanas de ardorosas plagas de África. De empenas tão agudas como as das igrejas bretãs, a palha protectora quase roçava no chão as suas extremidades. Era o pitoresco que o turismo apregoava. Na frente de madeira abria-se um janelico e, ao lado, a porta que deixava entrever pobreza de todos os dias. Mas nenhuma dessas choupanas se dispensava de exibir, à sua volta, velhas latas enferrujadas, panelas rotas e caixotes cheios de plantas floridas. Em Santana, o que não era campo para enxada ou arado, era parque ou jardim.»

Ferreira de Castro, Eternidade, Guimarães Editores, p. 179
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Eternidade, de Ferreira de Castro, é um livro fantástico, que apresenta uma acção bastante dinâmica e atractiva, permitindo-nos conhecer as conturbadas vivências de Juvenal, um madeirense que regressa à sua terra natal após doze anos de ausência, mas com um dilacerante desgosto, que teima em o arrebatar para pensamentos mais metafísicos, as mais das vezes delapidadores de amores pacificadores.

Uma obra onde podemos destacar as descrições soberbas, extremamente precisas, e as constantes preocupações sociais, na senda do neo-realismo, do início dos anos 30, um começo de década tomado por variadíssimas agitações e mesmo revoluções, como a que em 1931 levou à efémera «República da Madeira».


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