Dez anos depois do Nobel, um Saramago sempre de paixões


«Visão cosmogónica de um escritor de certa idade que não se resigna a não saber onde vive: e se o universo não fosse mais do que um corpo, a nossa galáxia uma célula, o sistema solar um átomo, o Sol o núcleo dele, e a Terra um dos seus electrões? Que seres seriam esses que viveriam em cima de um electrão?»

José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário III, Caminho, p. 49

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«O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia, Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa.»

Excerto do discurso de José Saramago, pronunciado na Academia Sueca em 7 de Dezembro de 1998

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