Frigidário

Tenho as mãos enregeladas. Enquanto penso, esfrego-as, aproveitando o intervalo de inacção das falangetas. As pontas dos pés, também, quase que não as sinto. Parece que plantei os pés sobre a geada.

O tempo, realmente, tem feito jus ao mês e à quadra natalícia. Se calhar, noutros anos, habituámo-nos mal. Pudemos fruir, até mais tarde, de alguma complacência do frio, entretido por outras latitudes mais a norte. Para nosso desconsolo, este ano enredou-nos nesta aragem cortante e gélida, que nos faz desejar o cheiro do pinheiro seco a crepitar no borralho. Lá temos de sair à rua com o frio, como quem vai, contrafeito, passear o cachorro às 11 horas da noite, a fim de o quadrúpede se poder aliviar do cocozinho acumulado desde a última visita ao canteiro da frente, que, outrora, já teve relva e margaridas, mas que agora tem resquícios amarelados, quebradiços, secos daquela abundância de ácidos e de gases exalantes.

Não quero atirar a frio, agora, uma história que me ocorreu, mas, a respeito de quadrúpedes, lembrei-me de uma colega que dizia que tinha, em casa, dois gatos, um bípede e outro, já estão a ver, quadrúpede.

De cabeça fria direi que, certamente, o ronronar lá terá vantagens sobre o ressonar, bem como a companhia sobre a frigidez, se for o caso. A bem dizer, para ludibriar este frio de rachar, como dá gosto amimar um gatinho felpudo, ou então tê-lo bem enroscadinho junto aos pés regelados.

Sei que vou malhar em ferro frio, mas, ao menos, já que temos o frio, tenhamos, também, a neve, para lembrar que o Pai Natal anda por aí no seu trenó, a deixar cair falripas de neve da Lapónia.

Quanto a mim, só me resta ir rapar o frio para outro lado, que já se me tolhem as peles friolentas.

Ainda bem que ouço, num afago retemperador, as palavras tépidas do colega de Filosofia: «Não existe frio, existe menos calor». Ah! Dito assim, sem frieza, já sinto menos frio ou, se calhar, mais calor.

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