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sábado, 25 de abril de 2009

“Canga”, de Horácio Bento de Gouveia




Por volta de 1946, Bento de Gouveia empreendeu a escrita desta magnífica obra, que aborda as injustiças que pesavam sobre o mundo rural madeirense, sobretudo por causa do medieval regime agrário da colonia, que obrigava o empobrecido camponês a trabalhar desalmadamente uma terra que nunca lhe poderia pertencer. O benefício era todo do senhorio, que impunha as rendas pelo amanho dos terrenos, mais as partes do que estes produzissem, não olhando às dificuldades e às inconstâncias do tempo, aos imprevistos, às maleitas, à penúria, mas somente ao lucro máximo. Chegava-se ao cúmulo de os pobres camponeses serem inspeccionados nos seus feijoeiros, a fim de o senhorio se acautelar que nenhuma vagem tinha sido arrancada do pé, pois tudo o que medrava nos terrenos não pertencia aos colonos, mas sim ao senhor, apesar de serem aqueles que cultivavam a terra e sobreviviam com os restos com que conseguiam ficar (isto quando a terra dava).

Assim, em 1949, Bento de Gouveia lança Ilhéus. Numa reedição feita em 1960, o escritor acaba por incorporar factos importantes acontecidos na década de cinquenta, essencialmente a compra de terrenos por parte do Estado para os entregar, sob o pagamento de suaves prestações, aos colonos.

No pós-25 de Abril de 1974, envolto no projecto autonómico da Região, Horácio Bento retoma o romance, actualizando-o com um novo título, Canga, já anteriormente pensado, mas impossível de concretizar por causa da Censura. Para mais, o escritor madeirense nunca ficou satisfeito com os dois primeiros títulos, Os Garipos e os Misérias (antes da impressão) e Ilhéus, até porque é o próprio Aquilino Ribeiro que, em carta ao autor, a propósito do prefácio que escrevera para a primeira edição do livro, em 1949, refere que o título é «muito restritivo». Havendo a liberdade almejada, Horácio Bento coloca, na obra, o título inicialmente pensado, Canga, acrescentando-lhe, ainda, mais dois capítulos que tinham sido censurados nas duas edições anteriores. Nunca satisfeito, reformula, também, determinados trechos, muda alguns nomes de personagens e repõe passagens censuradas nas primeiras edições, como quando o colono desabafa que «um homem tem de ser livre», conforme nos diz Thierry Proença dos Santos, na introdução que faz à reedição feita, em 2008, pela empresa municipal “Funchal 500 Anos”.

Horácio Bento de Gouveia elucida-nos, em definição das razões para a terceira edição, de 1975, acerca da «mágoa de a obra ter sido truncada pela censura, quando foi lançada ao público. Os capítulos censurados por circunstâncias de natureza político-social desarticularam a acção romanesca dentro do realismo da vida». Assim, diz o escritor, «um motivo forte impulsionou a presente edição: a actual ausência de censura».

Hoje podemos ler integralmente a soberba obra, que, «para muitos», nas palavras de Thierry Proença dos Santos, «é o romance marcante da literatura de temática madeirense de meados do século, como Eternidade, de Ferreira de Castro, o fora nos anos trinta». Deste modo, «havia, finalmente, um romance escrito por um madeirense que dava conta do seu sentir de ilhéu e espelhava a sociedade madeirense, problematizando algumas das injustiças e aspirações que a definiam».

Todavia, apesar da terceira edição ter saído liberta dos algozes da Censura e de ter tido ampla projecção nos anos oitenta, caiu, entretanto, num certo esquecimento, desviando-se de toda uma camada jovem (e não só!) que a devia, sem dúvida, conhecer.

«— Triste de quem é prove!»

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