Este espaço foi criado com o intuito de dar à língua. Claro está que dar à língua uns minutos de atenção devida não se deve limitar ao diz-que-diz-que ou ao dize-tu-direi-eu. Digamos que essa parte estará mais destinada ao falario que, certamente, se há-de gerar a propósito de coisas e loisas que o momento acalentar. O nosso propósito será, agora num tom mais circunspecto, dar à língua portuguesa um espaço de partilha e discussão sobre tudo o que lhe diga, de alguma forma, respeito.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
"Os Lusíadas" já estão disponíveis para telemóvel
Carlos Pinheiro
Arquipélago das palavras
Biblioteca Digital Camões
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Tributo a Rodrigues da Silva
Foi com consternação que soube da morte do jornalista José Manuel Rodrigues da Silva.
O cancro, por fim, venceu-o na madrugada de sábado, dia 10 de Janeiro, aos 69 anos.
Rodrigues da Silva foi o editor do JL desde 1993 até há poucos meses atrás.
Lembro-me de, quando comecei a assinar o JL, ficar extasiado a ler as suas crónicas sobre cinema. Recordo, ainda, as suas entrevistas, construídas numa linguagem muito própria, muito sua. Depois, deixei de o ler. Esperei, esperei, mas nada. Agora, obtive a resposta dolorosa.
Actualmente, começo a ler o JL pela crónica do Manuel Halpern, "o homem do leme", que sempre teve em Rodrigues da Silva, "Zé Manel", um grande amigo.
Já sinto falta da tua espontaneidade: «"Escreve, escreve, mas não me obrigues a ouvir essa merda"» (início da crónica "R. da S.", de Manuel Halpern, no JL 999).
Leiam o texto "Sr. José, Sr. Silva", de Rodrigues da Silva, em http://bloguedeletras.blogspot.com/2008/05/sr-jos-sr-silva.html
Raparaparaparaparaparaparim
Não se esquece!
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas e montanhas cinzentas
...
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
.....
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
...
Não posso adiar o coração.
...
António Ramos Rosa
sábado, 24 de janeiro de 2009
Partida de bolapé
Sentei-me no sofá da sala de professores. No início, ainda tive a companhia de uma colega, mas, passados alguns minutos, dei por mim como único espectador a testemunhar aquele tão desejado momento histórico. A determinado momento, ri-me. Dois milhões, ou mais, a assistir à cerimónia e eu ali, alienado da multidão em delírio, a conversar para mim. Tinha a vantagem de estar comodamente instalado e de a temperatura, também, não me exigir aquelas engraçadas "tapa-orelhas" felpudas na cabeça.
Estendi, assim, o olhar até ao livro que me acompanhava, afinal, naquela portentosa celebração. Deixei os ouvidos entretidos e fui passear pelas palavras de Pessoa. Tenho de confessar que também eles me abandonaram ou, se calhar, fui eu que os abandonei ao frio de Washington.
Sem multidão que me tolhesse os movimentos livres, saltitava de página em página por entre o magote de letras e sílabas e palavras, enfim, muita gente ali comigo, a dar-me trela, menos a multidão enregelada do lado de lá.
Seguro, na mão esquerda, tinha o livro A Língua Portuguesa, de Fernando Pessoa, uma edição de Luísa Medeiros, da Assírio e Alvim.
Que estupidez a minha pensar que se está sozinho quando se anda com Pessoa.
«My fellow citizens:
I stand here today humbled by the task before us, ...»
Pois é, um murmúrio longínquo esvoaçava molemente no ar. Lia em silêncio por fora da agitação do concerto das palavras.
«Nor is the question before us whether the market is a force for good or ill. Its power to generate wealth and expand freedom is unmatched, but this crisis has reminded us that without a watchful eye, ...»
Pessoa e eu, mais ele do que eu, que já conhece todo o livro, ouvíamo-nos e ouvíamo-lo a discursar. Fernando estava estarrecido com o poder da televisão, esse mostrengo palrador, que nunca se atemoriza perante o pequeno homem do leme.
O discurso em inglês fê-lo proferir várias considerações acerca do exagero que se toma em adoptar estrangeirismos. Parece, dizia-me, que se não conhece a língua portuguesa. Por isso, copiam-se palavras que já existem, com aqueles mesmos significados, na nossa língua. Para club, temos "grémio"; para lunch, "merenda"; para menu, "ementa".
Concordei com ele, mas proferi-lhe, cuidadosamente, que essas palavras estavam, irremediavelmente, perdidas. Hoje, ninguém utiliza “grémio” para “clube”, tal como o anglicismo “lanche” já tomou a dianteira em relação a “merenda”, de utilização mais rural. Talvez ainda vá sobrando “ementa”, que luta com “menu” na hegemonia do lugar cimeiro dos expositores dos restaurantes. Valha-nos, ao menos, o aportuguesamento que entretanto se fez.
Pessoa concordou, mas, endireitando os óculos descaídos, lastimou a falta de patriotismo na utilização da pulcra língua.
Enterrei-me mais um bocado no sofá, com vergonha, pensando se lhe deveria contar o que tinha cogitado naquele momento. Enchi-me de coragem e lancei-lhe que nacionalismos, por aqui, só se for com a selecção de futebol. Disse-lhe que em 2004 se desfraldaram, em todos os lares, bandeiras nacionais fabricadas na China. Por vezes, até, circulavam nos carros e nas motos, o que demonstrava o nosso grande patriotismo, pese embora se tenha gerado alguma confusão na hora de as hastear, pois que umas tinham a cor verde à esquerda, outras à direita. Compreendia-se, temos poucos momentos de exacerbação nacional. Ora o que se estranhava e não se entranhava era que houvesse tal patriotismo por uma selecção que nunca ganhou nenhum grande título, e não o houvesse pela literatura, que já foi laureada com o mais alto galardão internacional, nem pela língua, que, a seguir ao inglês e castelhano, se projecta em importância por todos os Continentes. Se havia algo que nos orgulhava na nossa história de andarilhos, era esta irmandade que tínhamos. Com a língua não havia patriotismos de bandeiras, havia patriotismos de falantes, havia patriotismos de culturas, havia patriotismos de identidades, havia patriotismos de entendimentos.
Pessoa ouvia-me com atenção, admirado pelo meu repentino e inesperado acesso de raiva. Depois, relembrou-me as palavras do seu íntimo amigo Bernardo Soares, de que, para ele, a pátria era a língua portuguesa. Respondi-lhe que também o Mia Couto considerava que a sua pátria era a sua língua portuguesa.
Todavia, notei que as suas sobrancelhas se tinham empinado mais do que era costume. Percebi a razão quando me interrogou sobre o termo que utilizei para indicar uma certa modalidade desportiva. Não compreendeu o motivo de eu empregar a palavra “futebol”, mais uma vez um empréstimo externo adaptado, quando existia o vocábulo português para tal, “bolapé”.
Admito que fiquei um pouco intrigado com aquela novidade que me dava e respondi-lhe que essa palavra criada para esse fim, infelizmente, não teve qualquer êxito de utilização, pelo menos que eu o soubesse.
Pessoa não desarmou e continuou a contra-atacar, dizendo que deveríamos fabricar sempre um vocábulo novo, de índole bem nossa, para a palavra estrangeira de que não tivéssemos equivalente. Portanto, para “football”, continuou, fabricaríamos “bolapé”, “pedibola”, “ludopédio”, “balípodo” ou coisa parecida.
Não sei bem se lhe respondi algo do género "pois sim" ou se me limitei a abanar a cabeça com pouca convicção. Sabia, intimamente, que nunca iria utilizar tais palavras, a não ser que me quisesse expor ao ridículo. Mas não lhe disse isso, temia ser mal interpretado.
Quando dei por mim, o discurso já estava naquela parte em que o Obama dizia «God Bless America». Houve um estampido de palmas que me fez despregar os olhos de Pessoa.
Ao certo, não sei quanto tempo passou. O nosso diálogo silencioso terminou por ali, pois na sala entravam agora, vindas de outros discursos, outras pessoas.
O livro fechou-se devagar, seguindo o peregrinar do pensamento, ainda volteado da partida:
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
20 anos sobre a morte de Salvador Dalí
Completaram-se, na sexta-feira, dia 23 de Janeiro, 20 anos sobre a morte de Salvador Dalí, recordado para sempre pela qualidade dos seus quadros e pela sua excentricidade.
Fernando Pessoa, o “indisciplinador de almas”
Pensei que valeria a pena dar uma espreitadela ligeira, mais por curiosidade do que por convicção de lá encontrar alguma “relíquia” da literatura. Talvez por já conhecer a história da “camisa de rendas perfumada de Mary”, pensava que não pudesse ser surpreendido por nenhuma “coroa” valiosa. O certo é que, manuseando os vários volumes, fui paulatinamente mudando de opinião. Para minha surpresa, escancara-se-me uma obra que considero única, A Língua Portuguesa, da sóbria editora Assírio & Alvim, com a edição dos textos de Fernando Pessoa a cargo de Luísa Medeiros.
Como um lobo esfaimado, atirei-me à única presa que ali se encontrava, desprotegida da salivação do olhar e das garras sedentas para a folhear.
Considero a compilação dos textos e a organização do volume ímpares, para mais neste momento que atravessamos, em que se está a dar início à implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado em 4 de Junho de 1991, e que, parece, vai começar a ser introduzido nos currículos do ensino básico no ano lectivo de 2010-2011, de forma a que, em 2014, se escreva plenamente segundo o Acordo.
Numa primeira parte, o livro apresenta “O PROBLEMA ORTOGRÁFICO”, para, numa segunda, se espraiar pela “DEFESA E ILUSTRAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA”, terminando com um posfácio interessantíssimo intitulado “Em Demanda da Ortografia Etimológica”.
Os textos, quer da Parte I quer da Parte II, foram retirados do espólio depositado na Biblioteca Nacional, com a novidade de este volume ser constituído, na sua maioria, por textos inéditos.
Realmente, com esta edição, temos acesso a mais um dos extensíssimos interesses de Fernando Pessoa, desta feita na defesa que faz da ortografia etimológica, revelando conhecer bastante bem as bases da Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa de 1911, a qual ele discute, rejeita e contrapropõe, apresentando regras e normas.
Pessoa contesta não a uniformização ortográfica mas sim o modo como tal uniformização se deu, pois valorizou-se «a escrita fonética em detrimento da grafia etimológica que até então vigorava». O escritor insurge-se, também, «contra a unilateralidade que essa reforma revestiu» (Posfácio, p. 173), pois, para Pessoa, Portugal e Brasil deveriam adoptar a mesma ortografia, de preferência «a etimológica» (p.181).
Luísa Medeiros acrescenta que na «etimologia gráfica, a língua guardava a nobreza e a riqueza semântica dos elementos que a compunham. Era contra a pobreza com que pretendiam revestir a palavra portuguesa que Pessoa se batia» (p. 176).
Alguns excertos:
Parte I
«A palavra falada é um fenómeno natural; a palavra escrita é um fenómeno cultural. O homem natural pode viver perfeitamente sem ler nem escrever. Não o pode o homem a que chamamos civilizado [...].» (p. 19)
«[...] a ortografia, sendo um fenómeno cultural, é puramente individual, não tendo o Estado coisa alguma com ela, ou de qual qualquer usa, salvo nos estabelecimentos oficiais ou escolares, [...].» (p.30)
«Não faz mal que Ph se pronuncie como F; a grafia Ph tem uma razão etimológica compreensível, e, à parte isso, toda a gente sabe que PH se pronuncia F, e sempre F.» (p. 45)
«O mais vulgar dos apelidos ingleses – o Silva de lá – escreve-se de 4 maneiras, se não de mais: Smith, Smithe, Smyth e Smythe, e a pronúncia é a mesma. É por isso pergunta corrente num inglês, ao ser-lhe dito o apelido, às vezes vulgar, de um compatriota: “E como é que se escreve?”» (p. 46)
«A língua, e portanto, a ortografia, portuguesa é profundamente conjunta de Portugal e do Brasil.» (p.52)
«Enfim, a ortografia moderna fazia aqui, não sei porquê, parte do “espírito republicano”, que ninguém sabe o que é.» (p. 52)
Parte II
«Philosophia deve escrever-se com 2 vezes PH porque tal é a norma da maioria das nações da Europa, cuja ortografia assenta sobre bases clássicas ou pseudo-clássicas.» (p. 56)
«A cultura é um fenómeno pelo qual estamos ligados ao passado pela inteligência; [...].» (p. 57)
«A linguagem fez-se para que nos sirvamos dela, não para que a sirvamos a ela.» (p. 73)
«A ortografia etimológica é a expressão gráfica da continuidade da nossa civilização e da nossa cultura com a civilização e a cultura dos gregos e dos romanos, em que aqueles tiveram origem e têm vida.» (p. 75)
«Todas as palavras de derivação diferente [do grego e do latim] ajustam-se às regras ortográficas da pronúncia portuguesa, independentemente de como se escrevessem no original.» (p. 79)
«As palavras directamente derivadas do latim, mantêm as suas consoantes duplas e os seus grupos consonantais, quer estas distintamente se pronunciem ou não.» (p. 81)
«O argumento da uniformização é uma coisa, a base em que uniformizar é uma outra. Sobre as vantagens da uniformização ortográfica estamos, creio, todos de acordo; não o estamos sobre a ortografia que haja de ser uniforme.» (p. 89)
«Mas, se havia que reformar, a reforma não haveria de ser senão em tornar o sistema mais lógico, mais coerente consigo mesmo, [...].» (p. 91)
«Se tivermos de ter uma língua natural universal, essa língua será o inglês e servirá tanto como língua cultural que como língua natural. Se tivermos de ter uma língua artificial universal, essa, teria ainda de ser inventada e deveria ser o mais completa possível, e não o mais fácil possível.» (pp. 117-118)
«[...] uma língua artificial deveria ter naturalmente por base o latim, [...].» (p.134)
«A primeira condição para uma ampla permanência de uma língua no futuro é a sua difusão natural, o que depende do simples factor físico do número de pessoas que a fala naturalmente. A segunda condição é a facilidade com que poderá ser aprendida [...]. A terceira condição é que a língua terá de ser o mais flexível possível, [...].» (pp. 148-149)
«[...] só há três línguas com um futuro popular – o inglês (que já tem uma larga difusão), o espanhol e o português. [...] Assim línguas como o francês, o alemão e o italiano só poderão ser europeias: não têm poder imperial.» (p. 149)
«Um verdadeiro homem só pode ser, com prazer e proveito, bilingue. [...] duas são o limite humano de qualquer homem que não nasceu para se suicidar como filólogo da inutilidade.» (p. 151)
«Devemos transformar o inglês no latim do mundo inteiro.» (p. 151)
No POSFÁCIO, Luísa Medeiros refere que Fernando Pessoa, como «arauto da cultura e de Portugal», projectou uma empresa para ministrar cursos de língua estrangeira e para estabelecer intercâmbios com organizações estrangeiras, à qual deu o nome de Athena. Contudo, tal empresa nunca passou do papel, a não ser a revista com o mesmo nome, que chegou a ser publicada.
Houve, ainda, outros projectos, como «Cosmopolis», que contemplava, por exemplo, «passar trabalhos à máquina; dar “informações diárias a respeito de câmbios, viagens de comboio, hóteis”; possuir um gabinete de leitura; fornecer “listas de casas para alugar”; ou ter a especialidade de “mandar vir livros do estrangeiro”; [...] fazer “buscas literárias em bibliotecas”; fazer “traduções para e de todas as línguas”; publicar um “guide-book” para turistas e um Anuário Geral sobre Portugal,». Por volta de 1919, define a criação do “Grémio da Cultura Portuguesa”, que tinha por fim «divulgar e valorizar a cultura portuguesa em todas as suas formas». Propunha-se, ainda, «elaborar uma obra em “Defesa e Ilustração da Língua Portuguesa”», bem como um Dicionário Ortográfico, Prosódico e Etimológico da Língua Portuguesa.
Todavia, de todos os projectos que idealizou, poucos se concretizaram. «Porém todos se inseriam nesse seu desejo de criar um Portugal mítico, ressuscitado pela nostalgia do passado perdido», que encabeçaria uma nova civilização espiritual e cultural.
Por último, é necessário falar de um outro extraordinário projecto que intentou, o de conceber uma língua artificial internacional, para que colmatasse as falhas das línguas naturais e resolvesse «o problema da comunicação internacional. Dela nos deixou, além das reflexões que presidiram à sua elaboração, uma gramática e um vocabulário que, como era seu hábito, não chegou a concluir».
«O espaço futuro da comunicação internacional científica pertence, segundo ele, à língua inglesa; o da criação literária à língua portuguesa. O primeiro prende-se à racionalidade do mundo material e o segundo à expressão universal da cultura, que só poderá ser conseguida através do registo etimológico da palavra criadora.»
Um livro, sem dúvida, bastante esclarecedor sobre a posição de Fernando Pessoa acerca de várias vertentes da Língua Portuguesa.
“Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma.” (Fernando Pessoa)
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Faianças Artísticas Bordallo Pinheiro
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Edgar Allan Poe, duzentos anos depois
Edgar Allan Poe nasceu no dia 19 de Janeiro de 1809, em Boston, vindo a falecer na cidade de Baltimore, a 7 de Outubro de 1849.
O escritor, que teve uma vida breve e agitada, é o autor de clássicos ligados à literatura fantástica e policial, como A Queda da Casa de Usher, O Mistério de Maria Roget, A Carta Roubada ou Os Crimes da Rua Morgue, tal como do poema O Corvo, que Fernando Pessoa, entusiasmado, acabaria por traduzir para português.
Parece que o próprio Sir Arthur Conan Doyle se inspirou nos seus escritos para conceber Sherlock Holmes.
Precursor da literatura de ficção científica e fantástica, Poe escreveu em profusão, desde artigos jornalísticos até aos estremes contos e poemas.
Por último, resta referir que está em produção um filme sobre Poe, cujo argumentista e realizador é, exactamente, Sylvester Stallone. Como as coisas são!
Jorge Colombo "revisita" Álvaro de Campos
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Trocar ou destrocar dinheiro?
Português Exacto
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Eugénio de Andrade: 1923 - 2005
Deixou-nos um grande legado e aqui relembramos um dos seus poemas mais conhecidos.
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Leitura de imagens
"O Verão"
Visto de perto, este quadro parece ser um sonho de um vendedor de fruta. Ao afastarmo-nos, uma cabeça humana começa a tomar forma. Ele foi feito, na sua totalidade, com base nos frutos e vegetais do Verão. Embora conhecido por usar frequentemente frutos e legumes para criar os seus retratos, Arcimboldo costumava também usar potes, panelas e até ferramentas na criação das suas estranhas imagens. As suas obras mais importantes foram pintadas em Praga, onde esteve ao serviço de alguns dos Habsburgos. Arcimboldo estava incumbido de outros trabalhos para a corte – fazer as decorações para as festividades, adquirir peças de arte para a colecção do Imperador e desenhar e construir fontanários. As pinturas de Arcimboldo eram de alguma forma tidas como ridículas, embora fossem imitadas. Foi apenas quando os surrealistas viram nele um amante dos jogos visuais e, logo, um dos seus, que Arcimboldo se tornou famoso.
"A Morte e a Donzela"
Estas quatro figuras constituem uma alegoria das três idades do homem. A morte é representada por um esqueleto que segura uma ampulheta. À sua volta vêem-se um bebé que dorme (a infância), uma rapariga (a juventude) e uma velha desfigurada pela magreza (velhice). Baldung era um desenhador fecundo, e o realismo dos corpos neste quadro revela que observou atentamente o corpo humano. À semelhança do seu mestre Albrecht Dürer, Baldung não se dedicou só à pintura; para além de muitas gravuras fantásticas, deixou-nos desenhos para vitrais e uma extensa obra gráfica. Tal como Hieronymus Bosch, Baldung expressou o terror e sofrimento do seu tempo recorrendo à fantasia. Uma das mais importantes obras de Baldung é o retábulo do altar da catedral de Friburgo, que data de 1516. Morreu em Estrasburgo, sendo então um abastado e influente membro da sociedade.
"As Voltas do Pião"
Uma forma de mulher-quase-esqueleto rodopia sobre um pião que segura na mão ossuda. Esta figura peculiar que gira em torno de si própria, desafiando as leis da gravidade, simboliza a mulher que faz o coração e a cabeça dos homens andar às voltas. Originalmente concebida entre 1936 e 1939 para o projecto de uma escultura que não chegou a ser concretizada, esta é decerto uma das imagens mais perturbadoras de Bellmer. Nascido na Polónia, Bellmer tornou-se um surrealista activo ao mudar-se para Paris em 1938. Esta obra reflecte muitas das preocupações daquele movimento – a sua imagética distorcida e fantasmagórica parece saída directamente das fantasias subconscientes do artista. O tema central de Bellmer era o corpo feminino, muitas vezes tratado de uma forma obsessivamente erótica. Da sua obra destacam-se as perturbadoras «Bonecas» fetiches, uma série de modelos articulados arbitrariamente deformados, e os desenhos e litografias, executados com uma precisão técnica excelente.
"A Inconstância do Poeta"
Um amontoado de bananas e um torso feminino clássico estão dispostos defronte de uma arcada. O horizonte é definido por uma parede. Por trás desta, um comboio quase indistinto afasta-se, ao longe. Tal colecção de objectos pode parecer arbitrária e ilógica, mas cada um deles tem um significado simbólico: o torso simboliza uma presença humana; as bananas, o exotismo; o comboio, a viagem. Os contornos de toda esta imagética estranha foram delineados com vigor. No entanto, são as sombras, monumentais e ameaçadoras, que ao invadirem toda a pintura lhe conferem poder e mistério. Giorgio de Chirico e Carlo Carrà deram origem a uma tendência, a Pintura Metafísica (Pintura Metafísica), associada a imagens e atmosferas oníricas e misteriosas. As obras enigmáticas e fantásticas deste autor influenciaram os surrealistas do seu tempo. No entanto, a partir de 1925, ele viria a adoptar um estilo mais tradicional.
Claesz, Pieter
"Natureza-Morta/Vanitas"
Um crânio humano domina este estranho arranjo de objectos. Banhados por um raio de sol que os percorre, foram pintados em pálidas tonalidades de castanho. O artista notabilizou-se na Holanda com naturezas-mortas como esta, quase monocromáticas, que conferiam uma sensação de harmonia, mística aos objectos que representavam. O tema desta obra (Vanitas, termo que designa igualmente o subgénero a que pertence) é o carácter transitório da vida terrena: o crânio representa a morte; o copo virado simboliza a vida que se dissipa; o relógio lembra-nos o tempo que passa. Os pintores holandeses do século XVII gostavam de representar os objectos do quotidiano. Estas obras não tinham um tom abertamente moralizador, mas eram muitas vezes ricas em significados simbólicos que seriam rapidamente apreendidos naquela época. Hoje em dia, estas obras são mais admiradas pelo virtuosismo absoluto que encerram.
Dali, Salvador
"O Sono"
Nesta fantástica interpretação do sono, vê-se apenas uma cabeça, de um ser adormecido, contra um fundo de imagens fantásticas. O equilíbrio delicado da figura é tal que sabemos que, se apenas um dos suportes caísse, a cabeça acordaria; assim se demonstra a fragilidade do sono. A meticulosa atenção de Dali ao pormenor cria uma atmosfera de acentuada hiper-realidade. Como membro do Movimento Surrealista, Dali promoveu o conceito de absurdo e o papel do inconsciente na sua arte. Dali colaborou também com o realizador Luís Bunuel em filmes como Un Chien Andalou e L’ Age d’Or, que são ainda hoje considerados marcos da história do cinema. Embora provocasse a indignação pública, a sua celebridade e o contributo para a arte são inegáveis. Tendo trabalhado em Paris e Nova Iorque, Dali regressou à sua Espanha natal em 1955, onde se instalou com a sua companheira Gala, de quem pintou muitos retratos.
Davis, Stuart
"Batedeira de Ovos N.º 4"
Esta obra combina cores e elementos ambíguos num jogo entre forma, linha e profundidade. Os elementos foram cristalizados num todo abstracto, cuja unidade é assegurada através dos blocos de cor mate e formas precisas. Estas partes, em interacção, convidam o olhar a correr a tela, seguindo os movimentos angulares da batedeira. Grande parte da obra do autor revela a influência das formas fragmentadas dos cubistas, embora Davis as tivesse desenvolvido através do humor, da vivacidade e da sonoridade excêntrica do jazz, de que era apaixonado. Pintada em 1927 e 1928, a série Batedeiras de Ovos baseou-se nas formas de uma batedeira, de uma ventoinha e de um par de luvas de borracha e trouxe a público as primeiras composições abstractas a serem criadas por um artista no espaço de uma década. Davis usou como tema a vida contemporânea americana, pintando tudo, de bombas de gasolina a paisagens.
Lam, Wilfredo
"A Selva"
Reunido na orla de uma selva, com a qual os seus membros longos e finos parecem confundir-se, encontra-se um grupo de estranhas criaturas saídas da imaginação de Lam. O mistério da selva está reflectido nestas extraordinárias feras que habitam nas suas profundezas impenetráveis: animais esverdeados com formas vagas, estranhas, e cabeças tribais, saídas de sonhos alucinatórios. Neste quadro, o mais conhecido dos seus trabalhos, Lam reuniu muitos elementos – africanos, latino-americanos e da Oceânia – fundindo-se com as convenções do Movimento Moderno europeu. O autor representou muitas vezes cenas de voodoo, folclore, tótemes e selvas – transmitindo um estranho sentimento de «frutos proibidos». De origem cubana, esteve em determinada altura ligado aos surrealistas. Tanto Lam como o seu amigo Pablo Picasso foram influenciados pela escultura africana e da Oceânia.
Nash, Paul
"Mar Morto"
Esta imagem terrífica de um vasto e estático mar de destroços metálicos é uma transformação imaginativa e visionária de uma série de fotografias tiradas pelo artista numa sucata de aviões alemães perto de Oxford. Asas, rodas e fuselagens são discerníveis nesta massa de peças de metal. Um luar sombrio envolve toda a cena e evoca uma estranha atmosfera de morte e destruição. Trata-se de um dos registos mais convincentes de Nash como artista oficial de guerra do Ministério do Ar durante a II Guerra Mundial, captando as tragédias e os triunfos daqueles anos amargamente vitoriosos. Embora influenciado pelo Surrealismo, Nash permaneceu essencialmente um artista de paisagens visionárias. O conteúdo dramático das suas obras é por vezes associado ao Neo-Romantismo, tendência com estilo de pintura muito teatral e romântico. O seu trabalho incluiu gravuras, ilustrações de livros, desenho industrial e fotografia.
Picasso, Pablo
"Mulher a Chorar"
O profundo desgosto desta mulher desesperada é reflectido com grande intensidade nas cores fortes e nas pinceladas rígidas desta pintura. A atenção do observador é imediatamente dirigida para o azul frio e para a área branca à volta da boca e dos dentes da mulher; os olhos e a testa estão deslocados – literalmente destroçados pelo desgosto. A figura lembra as da monumental pintura de Picasso, Guernica, realizada no mesmo ano, que retrata o massacre de mulheres e crianças durante a Guerra Civil de Espanha. A pintura aqui mostrada é um dos exemplos mais expressivos de uma série de Picasso intitulada Mulheres a Chorar. A forma como a face da mulher foi distorcida e fragmentada constitui um desenvolvimento das ideias do Cubismo que Picasso, juntamente com Braque, fundou. Nascido em Espanha, Picasso foi para Paris em 1901 e passou o resto da sua vida em França. É considerado o maior artista do século XX.
Severini, Gino
"Pierrot, o Músico"
Pierrot, o músico, vestido com um fato imaculadamente branco que contrasta com a mascarilha preta da commedia dell’arte, está sentado numa sala cujas paredes têm um padrão colorido. Em 1910, Severini juntou-se ao Movimento Futurista, iniciado por um grupo de artistas e escritores que exprimiam o dinamismo do mundo moderno pintando máquinas e figuras em movimento, assim criando algumas obras-primas da arte futurista. Foi muito influenciado por Georges Seurat, como demonstra o uso que faz da cor pura, e tornou-se amigo de alguns artistas cubistas, incluindo Pablo Picasso. A calma deste quadro e a precisão e cuidado com que Severini executou as pregas rígidas do fato do Pierrot, as mãos rugosas e a guitarra marcam o ponto de afastamento do artista dos movimentos futurista e cubista, em direcção a um espírito neoclassicista que dominou a sua obra até morrer.
As sombras abstractas e biomórficas trepam sobre objectos que parecem sabres as flutuar em direcção a um céu nebuloso e ameaçador. Tanguy foi muito influenciado por de Chirico e juntou-se ao Movimento Surrealista depois de ter conhecido o escritor e «guru» surrealista André Breton, em 1925. O título e o tema deste quadro fazem referência à ideia de Breton quanto à existência de animais invisíveis que escaparam ao domínio dos sentidos dos homens através de uma particular camuflagem. A qualidade visionária do quadro é uma ilustração clara do imaginário surrealista: Tanguy permitiu ao seu subconsciente que «criasse» estes seres. Este é um tema comum em muitas das suas obras surrealistas, onde criaturas amorfas aparecem a povoar as paisagens alucinatórias da mente. A precisão e a clareza estavam muito enraizadas na sua personalidade, e estas qualidades são também evidentes nos seus quadros.
Wadsworth, Edward
"A Praia"
Alguns objectos náuticos estão reunidos no primeiro plano do quadro, contra um fundo de céu, mar e areia. O quadro mostra a habilidade técnica e a precisão de Wadsworth: os mais pequenos pormenores são pintados com uma minúcia espantosa e a difícil técnica da têmpera de ovo (preparada por ele próprio) é utilizada com perfeição. O imaginário destas fantásticas criações geométricas confere maior prazer intelectual do que a maioria das naturezas mortas. O quadro aproxima-se do Surrealismo graças às justaposições inesperadas e à claridade hiper-realista. Durante a I Grande Guerra, Wadsworth alistou-se na Royal Navy, onde desenhou e pintou camuflagens para os navios. Este episódio da sua vida fez com que se apaixonasse pelo mar e pelos navios, temas recorrentes da sua obra. Além dos quadros e das gravuras, Wadsworth também pintou murais, nomeadamente para o paquete Queen Mary.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Casa Álvaro de Campos
Assim, inauguraremos no dia 15 de Janeiro, às 18h30, «Lisboa Revisitada», uma exposição de fotografias de Jorge Colombo em torno do universo de Álvaro de Campos, nascida do desafio feito pela Casa Fernando Pessoa. Seguindo a «Ode Triunfal» como guião inicial, e deixando-se depois contaminar pelo espírito de «estrangeiro aqui, como em toda a parte» do Campos posterior, o artista, residente nos Estados Unidos há vinte anos, procurou captar os ângulos da cidade que tocariam o poeta-engenheiro naval, caso ele andasse por Lisboa neste início do século XXI.
Almanaque "Borda d' Água", 80 anos a fazer previsões
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
"Astérix", 50 anos depois, continua irredutível
No ano de 1959, René Goscinny, argumentista, falecido em 1977, e Albert Uderzo, desenhador, agora com 81 anos, criaram esta magnífica banda desenhada.
Em 1961, foi publicado o primeiro livro, Astérix, o Gaulês.
Os 33 álbuns estão traduzidos em mais de cem línguas ou idiomas.
Uderzo autorizou a sua editora a continuar as aventuras de Astérix depois da sua morte.
Assim, só podemos temer que o céu nos caia em cima!
sábado, 10 de janeiro de 2009
Parabéns Tintin
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
O género da palavra "aluvião"
Portanto, “a aluvião de 1803” e não “o aluvião de 1803”.
Todavia, convém referir que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea aceita os dois géneros: «Com efeito, é verdade que, em Portugal, a palavra, em época não identificada, começou a ser empregada também como nome masculino, o que culminou na legitimação dos dois géneros no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa.» (Carlos Rocha, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)
sábado, 3 de janeiro de 2009
Pedro Proença
Obras de Pedro Proença na casa onde nasceu Fernando Pessoa
Lusa
A mostra, que pode ser vista na que é actualmente a sede da sociedade de advogados ABBC, é a primeira de um ciclo de exposições com que a Assírio & Alvim pretendem assinalar os 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa (1888-1935), seguindo-se obras de Ilda David e uma colectiva sobre o autor de "Mensagem".
Excertos da entrevista dada à revista Visão (n.º 826):
«Uma das coisas que fiz em 2008, foi capas de livros, nomeadamente a do último de Mia Couto (Venenos de Deus, Remédios do Diabo). Uma outra experiência foi o construir imensas letras para computador, para uso privado. Tem a ver com um desejo meu de trabalhar com a palavra, de fazê-la explodir de uma certa maneira, de criar um burburinho à volta da letra. Foi uma descoberta de que não estava à espera.»
«[A propósito da ilustração da edição especial de A Viagem do Elefante, de Saramago] Digo sempre que demoro mais tempo a ler um livro do que a ilustrá-lo. Para mim, o essencial é estar a construir as coisas e perceber as emoções que podem suscitar. Li o texto do Saramago com prazer e, depois, tentei fazer algo mais pictórico, no sentido mais tradicional. Pelo menos, o autor gostou e isso é um bom sinal.»
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
"Pensar é uma palavra"
pensar é uma palavra
primogénita
onde o ardor decanta das insígnias
os íntimos sinais
e o olhar é um silêncio enorme
e rumoroso
o delicado musgo
da memória
é a matéria-prima
do teu rosto
O veludilho das palavras
Dispo as palavras
e não as sei vestir.
Peso os seus ombros
com rumores indizíveis.
Aqueço as suas mãos
com o bafo da minha alma.
Envelheço seu rosto
com as rugas
das minhas cicatrizes.
Aproximo seus pés do mar
e chamo-lhes barco.
Pinto a sua voz de silêncio
e sento-as no regaço do sol.
Atiro o seu corpo
para fora do tempo
e respiro-as nas ruínas trémulas das areias.
Cubro seus cabelos
com as árvores
onde dormem os pássaros.
Devoro-as com esta sede
de dizer o infinito.
Dispo as palavras
e a sua sombra sou eu!